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Errar é bom - Rosane Queiroz | Revista Vida Simples
Talvez eu esteja errada. Ou não tenha escolhido bem as palavras dessa reportagem. Com um laptop, parece simples escrever, errar, apagar, reescrever. Difícil é encontrar a frase certa. Durante mais de um mês, não sabia como contar por que "errar é bom". Não conseguia encontrar a clareza. Pesquisei pessoas, livros, filmes, frases. Quando achei que tinha algo a dizer, demorei a arriscar o primeiro parágrafo. E, ao começar a escrever, peguei caminhos errados. Precisei parar e avaliar as possibilidades do assunto. Tive de pensar no pior que poderia acontecer: não conseguir escrever ou (pior ainda!) preencher as páginas com clichês como "errar é humano". Bem, o planeta continuaria dando voltas e certamente a vida simples daria um jeito de ter sua matéria de capa bem escrita, sem mim. Foi quando veio o lapso de entusiasmo e o sentimento mais duvidoso para quem deseja acertar: a certeza de estar certo. Voltei cinco casas e admiti: uau, posso estar errada! Mas também posso me jogar e tentar fazer o melhor. Quem sabe dá certo? Nesse momento, a intuição disse que tudo estava ali, era só arriscar - sem me levar tão a sério. Quantos textos já escrevi e é sempre a mesma sensação narrada por Clarice Lispector: "Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto - e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever, tenho que me colocar no vazio". Por fim, saltei. Me permiti ser vulnerável. Se estiver errada, só espero não repetir os mesmos desacertos. Experimentei os principais erros de quem tem medo de errar - sete no total, como aqueles jogos de "descubra os sete erros" dos almanaques de antigamente. Agora posso contá-los, um a um:
Erro nº 1: Achar que, hoje, é bem mais fácil acertar do que no passado
Há duas décadas, esse texto seria escrito em uma pequena máquina de escrever Olivetti vermelha. Era um tec-tec até tarde da noite. Os vizinhos me julgavam uma grande escritora pelo barulhinho. A cada erro, tinha de passar branquinho sobre a palavra incorreta e bater outra por cima. Um tempo em que as bolas de Natal se quebravam ao cair. Viver parecia mais arriscado. Quem se lembra dos antigos filmes de 12, 24 e 36 poses? Tirar uma foto implicava fortes emoções porque o erro, a falta de foco, seria fatal. Ao revelar os retratos, a surpresa: uns bons, outros ruins. Agora dá para experimentar todas as poses possíveis, mudar as cores, errar mil vezes e apagar. O premiado fotógrafo Claudio Edinger lembra que levava um dia para revelar os filmes. "A tecnologia trouxe uma revolução extraordinária, mas não eliminou outros erros. Hoje, você perde cartões, pensa que passou para o computador e não passou, apaga fotos sem querer. Novos métodos, novos erros", avalia Edinger. A contradição é que, com a mesma ilusão de que podemos apagar facilmente as falhas, o mundo contemporâneo parece ter menos tolerância com elas. Bill Gates, em seu famoso discurso de cinco minutos, para formandos de Harvard, em 2010, disse coisas como "se errar, aprenda", mas, ao abordar o mundo dos negócios, foi cruel: "Se pisar na bola, está despedido... rua! Faça certo da primeira vez". A pressão pelo acerto imediato é uma das facetas do mundo moderno. "A tecnologia nos leva a acreditar que temos controle sobre tudo", pontua a psicanalista Jassanan Amoroso Pastore, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. "Passamos a controlar mais e melhor, com câmeras de tv, catracas magnéticas etc. Mas não temos garantia de nada. A busca por terrenos estáveis é apenas um desejo de controlar o incontrolável", diz a psicanalista. Não existe, afinal, tecnologia ou mágica que substitua a experiência adquirida com erros e acertos. "Em fotografia, saber misturar luz natural e artificial sem ser óbvio pode levar anos. Não adianta ter câmera automática", diz Edinger.
Erro nº 2: Não saber o que se quer
Meditando na praia, Paula sentiu a certeza que há tempos buscava: sim, ela queria deixar de ser advogada e se tornar escritora. Isso significava abandonar uma carreira de 15 anos, pedir demissão e cortar seu custo de vida pela metade. Com um filho pequeno, recém-separada, ela passou a noite chorando e questionando: "E se der tudo errado?". Isso aconteceu há dois anos, e há pouco mais de dois meses a carioca Paula Abreu lançou o livro Escolha sua Vida (ed. Sextante), em que conta como conseguiu vencer o medo de errar - pois só assim decidiu mudar. Encontrar a clareza sobre a vida que queria foi o primeiro passo. "Mas a clareza não é um piano de cauda que cai na sua cabeça!", avisa a autora. "Ela vem aos poucos, a partir de perguntas internas", conta. Para saber sobre suas paixões, algumas perguntas: o que faz o seu olho brilhar? O que faz o tempo parar? Por fim, aquela que derruba os últimos argumentos: se tudo der errado, qual é a pior coisa que pode acontecer? No caso de Paula, na pior das hipóteses, ela se viu trabalhando como garçonete num quiosque de praia. "Quando você visualiza o pior, vê que tudo é resolvível", diz. A percepção de erro, para a autora, precisa mudar. "Erro não é fracasso, é resultado. E tudo é cíclico. Um resultado leva a outro, que pode se tornar acerto", defende. Ela mesma tentou criar uma empresa, antes de seguir o caminho solo. A parceria não deu certo, mas colaborou no processo de clareza. "As consequências de não agir são piores do que as de agir", diz. Bater em portas erradas faz parte. "Senão, como encontrar a porta certa?"
Erro nº 3: Demorar a agir
Melhor agir duas vezes antes de pensar do que pensar duas vezes antes de agir. "Erre rápido!", sugere Ricardo Sazima, sócio da Baita Aceleradora e consultor em Lean Startup. Para quem ainda não sabe, startup é um produto ou ideia de negócio, e Lean Startup, um conjunto de práticas para dar vida a esses projetos com agilidade e baixo custo. Ricardo assina o prefácio do livro A Startup Enxuta (ed.Leya), de Eric Ries, criador do método que subverte o processo tradicional de criação e leva em conta errar bastante. "As startups operam na incerteza", diz Ricardo. Ele conta que aprendeu a encarar os erros com mais leveza depois de experimentar o fracasso "de forma espetacular". Em 1999, o consultor passou cerca de um ano trabalhando em um projeto de e-learning (ensino a distância via web). "Investi tempo, dinheiro e energia para construir um produto perfeito que ninguém queria", lembra. A diferença, no conceito de Lean Startup, é que a ideia deve ser lançada pré-pronta e se aperfeiçoar a partir dos erros identificados no caminho. "Em vez de gastar recursos em planejamento e pesquisa, a startup se propõe a descobrir o que o mercado deseja, a tempo de mudar o produto radicalmente, se ele não tiver aceitação", diz Ricardo. O sucesso, portanto, está relacionado ao risco. "Errar corta o caminho e evita perdas", diz ele.
Erro nº 4: Achar que está sempre certo
Se errar é natural, por que é tão complicado admitir as falhas? "O problema é que cada um vive na sua pequena bolha de estar certo sobre tudo", diz a jornalista americana Kathryn Schulz, autora de Being Wrong (ainda sem tradução no Brasil). Para a "errologista", como Kathryn se autodefine, o sentimento de estar preso no supostamente certo é um problema individual que afeta o coletivo, porque envolve todas as relações. "Sair desse sentimento é o maior salto moral, intelectual e criativo que alguém pode dar", defende ela, em seu ted, com 1,5 milhão de visualizações. Essa epidemia de certeza se deve a duas razões: a primeira é a sensação horrível causada pelo erro. "É como perder o chão e despencar no vazio", compara ela. A segunda é cultural. Na escola, a lição número um é que o certinho da turma leva a melhor. Só que crescer cultivando certezas gera limitações emocionais. "Não se pode querer que todos olhem a paisagem da mesma janela", diz. O milagre, acredita, não é ver o mundo como ele é, mas como ele não é. Enquanto Descartes disse "Penso, logo existo", Santo Agostinho afirmou: "Fallor, ergo sum" (Erro, logo, sou). Errar nada mais é do que pensar que ia acontecer uma coisa, e se dar conta que aconteceu outra. Por que não receber a surpresa com leveza e curiosidade? "Você vai descobrir a maravilha que é sair da bolha do acerto, olhar para a vastidão e ser capaz de dizer: uau, eu não sei!", finaliza Kathryn.
Erro nº 5: Levar-se muito a sério
Há erros que levam a acertos fascinantes. Um clássico é a descoberta da penicilina. Alexander Fleming notou que um mofo havia contaminado algumas culturas bacterianas. Mas observou também que a área que rodeava o mofo estava livre das bactérias. A descoberta lhe rendeu um prêmio Nobel. Nem todos os erros, contudo, são tão graves quanto um erro médico ou judicial, ou têm potencial para mudar os rumos da humanidade - para o bem ou o mal. Milhares deles, aliás, acontecem nas situações simples do cotidiano. "Viver é desenhar sem borracha", diz a máxima do humorista Millôr Fernandes. O jeito é caprichar e gastar o lápis. Um bom lugar para treinar o verbo errar é a cozinha. "Já cometi tantos erros na cozinha que nem consigo lembrar o pior", conta a chef Nina Horta. O mais inesquecível foi quando resolveu cozinhar um pato para o almoço de 25 anos de casados de seus pais - sem nunca ter feito a ave. "Ele nunca amaciou, não teve almoço", diverte-se. Outra vez, se viu às voltas com o glacê de um bombom de coco, receita da cunhada. "Eram bolinhas de coco fresco ralado passadas no glacê de açúcar. De cem, devo ter acertado uma!". O que não significa que a perfeição não seja a busca. Em seu bufê, Nina garante que cada quitute é testado antes de ir à mesa. A quem comete deslizes por desleixo, ela manda o recado via blog: "Ah, meninos, não é assim. A vida só vale se fizermos o melhor possível. Então, se não fizermos o melhor, é só tentarmos fazer o melhor possível. `O ruim mesmo está bom¿ não é lema, é burrice. É fruto da má educação, do livro rabiscado, do caderno rasgado, da pouca vontade de aprender. Qual o problema de se dizer `eu não sei¿? Na verdade, a palavra de fundo, que custa a ser assimilada por nós e que leva aos céus em todos os sentidos, é a humildade", ensina Nina. No mais, é rir com as receitas. "Cozinhar é como saltar de paraquedas: toma fôlego e vai!"
Erro nº 6: Não se deixar ser vulnerável
Não é o crítico que importa, nem aquele que aponta onde foi que o homem tropeçou ou como o autor das façanhas poderia ter feito melhor. O crédito pertence ao homem que está inteiro na arena da vida, cujo rosto está manchado de poeira, suor e sangue; que luta bravamente, que erra, que decepciona, porque não há esforço sem erros e decepções." O trecho do discurso O Homem na Arena, de autoria do presidente norte-americano Theodore Roosevelt, em 1910, abre o livro A Coragem de Ser Imperfeito (ed. Sextante). A autora, Brené Brow, dedicou 12 anos a um estudo sobre a vulnerabilidade, em que ouviu milhares de histórias de desacertos. "Vulnerabilidade não é fraqueza, mas a melhor definição de coragem", diz Brené. As pessoas que mais se expõem - portanto, erram mais - , segundo a autora, são as mais criticadas. Mas também as mais autênticas e realizadas. "São aquelas que dizem `eu te amo¿ primeiro, as que sentem vontade de fazer alguma coisa quando não há garantias de sucesso, as que desejam investir em um relacionamento que poderia ou não funcionar. Elas agem assim porque acham que isso é fundamental", explica. Em um mundo em que predomina a cultura do perfeccionismo, mostrar-se vulnerável pode parecer uma atitude subversiva, mas na verdade é o único caminho para uma vida mais tranquila. "As tentativas de neutralizar nossa vulnerabilidade fizeram com que os Estados Unidos tenham hoje a geração adulta mais endividada, obesa, viciada e medicada da história", diz a autora. A pedra no caminho é o que ela chama de "cultura da escassez", definida pela frase "Nunca sou o suficiente". Em segundos, as pessoas preenchem o espaço com palavras como "bom", "perfeito" ou "certo". O antídoto para a escassez é a ousadia. "Precisamos voltar a nos expor", diz. Quem passa a vida com medo de errar, esperando a perfeição, acaba sacrificando relacionamentos e perdendo oportunidades irrecuperáveis. O segredo é respirar fundo e entrar na arena. "Não se trata de ganhar ou perder, mas de estar no jogo", diz Brené.
Erro nº 7: Repetir os mesmos erros
Errar é a melhor maneira de aprender, certo? Errado. Pesquisadores do mit (Massachusetts Institute of Technology) descobriram que aprendemos melhor depois de fazer a coisa certa, e não depois de errar. É a primeira vez que um estudo demonstra que o cérebro aprende mais depois de um sucesso do que de um fracasso. A pesquisa, realizada com macacos, mostrou que depois de fazer algo corretamente, eles disparavam sinais neurais prolongados, que continuavam até Vida Simplesa próxima ação. Já após algo errado, havia menos atividade nos neurônios e nenhuma evolução nas tentativas seguintes. "Os cérebros dos seres humanos e animais são essencialmente idênticos nessas funções fundamentais", afirmou Earl Miller, um dos investigadores do artigo publicado na revista Neuron. Os professores de piano ou tênis, portanto, têm razão: a prática é o caminho da perfeição. "Antes de ser bom ou ruim, errar é essencial para o aprendizado", pondera a psicóloga Ceres Alves, da PUC-SP. Esse ensaio tem nome: tentativa e erro. "Uma criança tenta fazer algo de uma maneira, não consegue, tenta de outra. A maneira como ela é estimulada a tentar, sem medo de errar, é o que a torna mais ousada ou tímida diante da vida", lembra. Errar só por errar - e repetir os mesmos erros - não tem valor. No filme Um Bom Ano, o personagem Max (Russell Crowe) é um workaholic que herda do tio um vinhedo na França. Ao visitar a propriedade, Max se recorda das partidas de tênis com o tio, quando ele mandava a bolinha longe. O tio, então, dizia: "Tudo bem errar, desde que não se torne um hábito".
Rosane Queiroz é jornalista, mas também se arrisca em outros territórios, como cantar boleros, dançar flamenco e cozinhar moquecas.
Fonte: Revista Vida Simples